Em muitos
textos infantis, às vezes a história se desenrola de um modo que não sabemos
onde os personagens estão ou o que estão fazendo enquanto falam. Uma
característica que gosto em algumas ilustrações é quando a ilustração diz algo
a mais sobre a história, especialmente quando o texto não diz. Sempre que
possível, tento ilustrar de um modo que não seja mera repetição do que diz o
texto.
Por exemplo,
no início do livro ‘A Busca de Aninha’, que ilustrei, os pais conversam com a
filha e o texto não revela o que estão fazendo nem onde estão. Como Aninha
tinha acabado de chegar da escola, já foi falando com o pai e a mãe sobre o seu dia. Como ela
chegou? Alguém a trouxe? Ela foi sozinha? Estava de uniforme ou não? Sabemos
que muitas crianças ainda vão à escola sozinhas, mas como nas grandes cidades
geralmente são levadas pelos pais, ilustrei essa parte incluindo a mãe, como se
ela tivesse ido buscar a menina. Nesse momento inicia-se a conversa entre os
três (pai, mãe e filha) sobre o que aconteceu na escola e me perguntei: onde
estavam? Na sala, no sofá? O diálogo era longo, o que tomaria algumas páginas.
Considerei que as ilustrações seriam um pouco entendiantes se eles ficassem o tempo todo na sala
conversando. Coloquei-me na situação deles: quando meus filhos chegam da
escola, o que fazemos, em que lugar da casa estamos? Assim, ao invés de ilustrá-los
somente conversando, resolvi incluir na história o que geralmente acontece em
algumas famílias quando uma criança chega em casa depois da escola: uma
refeição com os pais ou em família. Os personagens, durante o tempo em que
estão conversando sobre o ‘problema’ que a menina precisa resolver, arrumam a
mesa, comem e retiram os pratos. Entretanto,
desse momento da história, o que mais me chamou a atenção no texto foi o seguinte
diálogo:
“— Ai, papai, estou
tão nervosa... Não sei bem por onde começar! O senhor vai me ajudar, não vai?
— Pede pra mamãe,
filhinha.
— Opa! Não me ponha
nessa história. Eu não tenho vocação para detetive — disse a mãe já saindo de fininho.
— Xiii... Estou
vendo que vai sobrar para mim — disse o pai já conformado com a nova missão.
— Oba! —
exclamou Aninha. — O papai vai me ajudar. Que bom!”
Quando eu li esse
texto pela primeira vez, fiquei um pouco impressionada com a atitude da mãe, ‘saindo
de fininho’. Eu me perguntei: por que a mãe teria deixado de ajudar a filha? Fiquei
me imaginando na situação. O que uma mãe tem tanto a fazer que resolve delegar
ao pai essa tarefa com a filha? Para que o leitor não tivesse a sensação de que
a mãe não queria ajudar a filha ou que tratou o seu problema com descaso,
resolvi ilustrar a mãe levando os pratos para a pia, que já estava cheia de
louça. Ou seja, podemos dizer que a ilustração ajudou a elucidar o motivo pelo qual a mãe não
poderia ajudar a menina (na interpretação do ilustrador, pelo menos...). Não porque ela não queria, mas porque tinha outras
tarefas a fazer. Veja ilustração abaixo:
Finalizando, é
importante ressaltar que essa 'liberdade' que tomei foi apresentada e aprovada
pelo editor. Como já disse antes em outro post, todas as minhas ilustrações são apresentadas em forma de ‘rafes’ previamente e
sempre aprovadas pela editora. Assim a
editora tem a segurança de que não terá nenhuma surpresa e eu tenho a segurança
de que não terei que refazer nenhuma ilustração.
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