Uma coisa
que me tira do sério é ouvir que nós, artistas e profissionais do desenho e
ilustração, temos tempo livre, não temos horário fixo, que vivemos relaxados e tranquilos,
quase como se estivéssemos ‘vendendo nossa arte na praia’. A verdade é que a
profissão do ilustrador demanda muito tempo e empenho. Posso dizer que, pelo
menos para mim, se tem uma coisa que o ilustrador não tem sobrando é tempo.
Além de ter que desenhar e ilustrar, o ilustrador freelancer, ou até mesmo
o ilustrador empreendedor, também atua em várias áreas dentro da sua
‘empresa’. Diferentemente dos Estados Unidos, onde geralmente há a figura do
agente, aqui no Brasil o ilustrador tem que se virar quase totalmente sozinho. O
ilustrador é praticamente uma “empresa de uma pessoa só”. Veja só:
Orçamentos: além de ter que apresentar orçamentos para
seus clientes, dependendo da sua área de atuação, tem que orçar com a gráfica e
fornecedores.
Planejamento: de curto e longo prazo, tanto para o projeto
do momento como para saber o que estará fazendo no ano que vem.
Gerenciamento de
tempo: é essencial ter equilíbrio entre o ‘ilustrar’ e as demais tarefas
comerciais, financeiras e legais. Não dá para passar o tempo todo fazendo
marketing, e esquecer do seu produto, ou seja, ilustrações.
Administração de materiais – para quem trabalha com materiais
como pincéis, tintas e papéis especiais, por exemplo, ou fornece produtos com
suas ilustrações.
Cronograma de trabalho – Não fazer um cronograma dos seus
projetos pode ser um ‘tiro no pé’. O tempo que se gasta num cronograma se ganha
na organização do próprio tempo, possibilitando saber de antemão quando vai
terminar um projeto e se - e quando - é possível aceitar outro. Já me pediram
para fazer 365 ilustrações em 30 dias. Se eu não souber em quanto tempo eu faço
cada ilustração, posso acabar aceitando algo que, para mim, seria impossível
entregar num prazo tão apertado.
Emissão de notas ou recibos – no caso do ilustrador ter uma
pequena empresa, pode ter que lidar com notas fiscais eletrônicas, boletos,
faturas, etc.
Contabilidade e finanças – mesmo que o ilustrador tenha um
contador, ainda assim tem que ter noção de impostos, realizar pagamentos,
etc...
Contratos – essencial ler e analisar cada cláusula, para
ver se cobriu todas as possibilidades antes de assinar e se não há nenhuma
abusiva. Além disso, o ‘combinado não sai caro’. Uma vez assinado o contrato,
dificilmente se consegue modificar alguma condição. Vou dar um exemplo: a
editora pode não querer colocar seu nome na capa do livro, e uma cláusula no
contrato pode evitar que você fique ‘esquecido’. Já imaginou você ter um
trabalho que vai atingir milhares de pessoas e alguém gostar do seu trabalho
mas não saber quem fez as ilustrações do livro?
Negociação de valores – cada caso é um caso e cada
cliente um cliente. Nem sempre você vai poder cobrar a mesma coisa de cada
cliente. Depende de vários fatores e uma negociação pode levar dias e dias de
troca de e-mails entre você e o editor.
Encontro com clientes/expedição – embora não seja comum, alguns clientes
querem conhecer o ilustrador antes de contratar. Em outros casos, você pode se
encontrar com algum possível cliente para discutir novos projetos que estão
somente no papel. Sem falar que, às vezes tem que entregar ou despachar os
produtos que comercializa.
Oficinas – recebo muitos pedidos de oficinas. Às vezes
eu aceito, às vezes, não. Uma oficina demanda muito tempo e geralmente quem
solicita não pode (ou não quer) remunerar o seu tempo e trabalho. Isso depende
do estágio em que você se encontra, se tem ou não algum trabalho no momento, se
você vê oportunidades ou não, entre outros fatores. Mas muitas vezes é um tempo
que você emprega e que, no fim, não recebe nem um lanchinho nem o dinheiro para
o seu transporte.
Hora extra – é isso mesmo. Quantas vezes não ficamos até
as 2h da manhã para terminar um trabalho? A vida é feita de eventos, alguns
bons e outros nem tanto. E algum deles pode atrasar o seu trabalho e você ter
que usar um fim de semana para terminar.
Divulgação e marketing – com tantas mídias sociais, temos
que aproveitar para expor e divulgar nosso trabalho. Confesso que não dou tanta
atenção a isso como deveria, mas o tempo que uso para isso depende da
quantidade de trabalho que tenho naquela semana. Se tiver um livro para entregar,
provavelmente vou postar pouco. Mas que é importante, isso é.
Visitar feiras, participar de associações – essa parte é bem interessante.
Embora seja uma delícia visitar feiras, encontrar com colegas, assistir
palestras, ainda assim isso toma tempo. Tem enormes vantagens pois, além de ser
um evento social, que é ótimo, oportunidades de trabalho podem surgir.
Minha mãe
diria: fiquei cansada só de ler. Mas é verdade. Hoje mesmo falei com três
fornecedores meus, e dois deles vieram trazer material que mandei imprimir. Nos
dois casos o produto não ficou como a prova que haviam feito. Isso significa
retrabalho, tanto para eles como para mim. Tempo que poderia estar ilustrando
ou, como diz meu filho, ‘desenhandinho’. E mesmo para isso temos que pesquisar,
estudar, fazer rascunhos...
Enfim,
embora a profissão de ilustrador pareça glamourosa para quem olha de fora, a
realidade é que somos praticamente uma empresa, e temos que atuar como tal.
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