Friday, July 17, 2020

Ilustrador – Compositor e Intérprete ao Mesmo Tempo

Existe um ditado em inglês que diz:

Comparison is the thief of joy. (Comparação é o ladrão da alegria)

O significado dessa frase é que, se você comparar seu trabalho com o de outros artistas, certamente ficará desmotivado. Mas será isso mesmo?

Um fato ao qual temos que nos acostumar é que – SEMPRE – vai ter alguém melhor e alguém pior do que nós. Só que aí eu pergunto: quem define o que é melhor ou pior?

Todos temos gostos diferentes e, o que uma pessoa gosta pode ser totalmente diferente do que outra gosta. Então, dizer que algo é melhor ou pior depende muito de quem avalia. Cada um tem seu gosto e vejo que, aquilo que uma pessoa acha lindo, outra acha muito feio. Uma vez estava com uma colega num museu em Veneza, numa visita da minha turma da Accademia – onde estudei – e eu estava admirando um quadro impressionista. Acho linda a combinação de cores, a alegria que transmite... E ela olhou e disse: “Acho muito sem graça esses quadros impressionistas. Quem viu um, já viu todos”. Enfim, a beleza está nos olhos do expectador.

Voltando à comparação, vejo que há vantagens e desvantagens em comparar seu trabalho com o de outras pessoas.

As desvantagens são que você pode achar que o seu trabalho não é tão bom e acabar desanimando, deixando de desenhar e consequentemente, de progredir. Afinal, só praticando é que vamos melhorar nosso trabalho. Entretanto, somente prática não basta. Se assim fosse, todos os cozinheiros do dia a dia já seriam chefs premiados, e todos os motoristas já teriam ganho a Fórmula 1. É também preciso aprender técnicas, aprender a ver, ser humilde e reconhecer que, por mais que alguém esteja no topo, daqui a pouco esse lugar será ocupado por outro. Não é assim todo ano? Quase todas as áreas tem o seu prêmio anual e alguém é considerado o melhor do ano (jogadores de futebol, chefs, ilustradores...)

Quando você observa e analisa ilustrações de outros artistas, pode aprender muita coisa. Não é à toa que pintores franceses - hoje famosos - ficavam no Louvre copiando quadros dos grandes mestres. Vale ressaltar que não estou falando de plágio. O plágio é crime e deve ser tratado como tal.

Quando alguém começa a aprender a tocar um instrumento, não fica inventando. As composições que toca foram feitas por outras pessoas. Se os músicos aprendem tocando algo que foi feito por outra pessoa, os artistas aprendizes costumam ser mal falados quando tentam desenhar algo que inspirado em outro artista.

Acho que é porque, quando você toca uma música, ela desvanece imediatamente. Mas quando desenha, fica no papel praticamente uma prova de que você desenhou algo inspirado em outro artista. Em ‘artists statements’ – declarações de artistas – é praticamente um requisito escrever quais outros artistas influenciaram o seu trabalho.

A verdade é que, mesmo inconscientemente, vários artistas incorporam ao seu estilo o que vêem e lhes agrada em outros trabalhos. Os indivíduos são fruto do seu meio, portanto, eles também receberam influências de outras pessoas. Se formos observar artistas conforme sua nacionalidade, fica evidente a influência de cada cultura na sua obra. Isso não quer dizer que o artista não inventa nada, mas ele pega trechos de influências que recebeu e cria algo “novo”. É como uma receita: você pode inventar o modo de fazer, mas quem criou os ingredientes (batata, cenoura, carne, etc) foi o Criador. E mesmo a manteiga, invenção humana, utiliza a criação de outra Pessoa – o leite – para que seja feita. Eu aconselho, porém, que evite copiar, mas tente produzir algo que seja somente seu.

Então, na verdade, somos todos criadores interligados. Criamos com materiais criados por outras pessoas, técnicas desenvolvidas por outras pessoas, e com base no que aprendemos com (ou de) outras pessoas. Fica mais que evidente que isso quer dizer que dependemos uns dos outros, não só para viver em sociedade, mas para progredirmos. E é por isso que temos também a obrigação, a meu ver, de ensinar o que aprendemos. Se o que sabemos hoje aprendemos com alguém, também não devemos reter o conhecimento que temos. Mesmo quem acha que sabe pouco tem alguém a ensinar.

Estamos numa fase onde as pessoas estão procurando não só um trabalho pra sobreviver, mas algo que lhes dê satisfação, que tenha propósito. E estamos no começo de uma nova era, onde você não precisa nem sair de casa para aprender.

Pensando em tudo isso que discutimos, será que é por isso que as pessoas tem tanto medo de começar sua carreira como artista? Será que tem medo de serem consideradas meras cópias de outros? Será que estão aguardando o “momento certo” para começar? A vida vai passando, e quando a gente vê, achamos que não dá mais tempo. Mas não precisa ser assim (veja essa postagem).

Sobre aprender observando ilustrações de outros artistas, considero um assunto polêmico, pois depende de cada pessoa que está aprendendo, e a linha entre inspiração e plágio pode ser muito sutil, ainda mais no mundo atual, onde o certo e o errado já se tornaram relativos...

Enfim, pra finalizar quero deixar uma frase que meu marido me disse, ao discutirmos sobre tudo isso que falamos acima:

Um ilustrador é o compositor e o intérprete de uma obra, simultaneamente.
(Frase de Alexandre Barros Neves, designer de produto).

O ilustrador compõe e materializa a sua ideia, praticamente ao mesmo tempo. Enquanto desenha, está compondo e colocando no papel a sua ideia, a sua obra. E diferentemente do que dizem as pessoas, que ficar desenhando pode ser fácil, é preciso tempo, esforço e dedicação para poder transformar ideias em imagens. E sobre isso, tenho mais a falar, mas fica para a semana que vem. ;-)

Bom final de semana (em casa)!

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