Uma coisa que acho fascinante no mundo da ilustração é o fato de que ela
carrega não somente uma imagem, mas também a ‘bagagem’ de quem ilustra. Tudo
aquilo que você viveu, leu, aprendeu, experimentou, viu, apreciou, enfim, teve
contato, faz parte da sua história e do que você foi, é e será. O que você
desenha será grandemente afetado por todas essas experiências, sentimentos,
sensações e conhecimento.
Ninguém sabe tudo, muito menos sobre tudo
Dizem que o especialista é alguém que sabe muito sobre muito pouco.
Brincadeiras à parte, no que se refere a conhecimento e ilustração, quanto mais
você se informar, maior será a possibilidade de criar algo realmente novo e
interessante. Eu até me pergunto: como vamos imaginar algo se não obtivermos
informações a respeito? Além disso, será que não corremos o risco de criar algo
que já foi criado? E como saberemos se algo já foi criado se não pesquisarmos?
A pesquisa faz parte do trabalho do ilustrador. Para ilustrar, é muito
importante que o ilustrador leia muito, informe-se, seja curioso... A
meu ver, não basta ler somente o texto que está sendo ilustrado, mas tudo o que
esteja relacionado ao mesmo e o que mais for possível.
Vou dar alguns exemplos do que estou falando nas ilustrações que tenho
realizado: uma vez me solicitaram uma ilustração para um texto que fazia
referência ao livro ‘O sofá estampado’, de Lygia Bojunga. O texto falava do
Tatu Vítor, mas não do sofá ou das cartas... Como eu poderia ilustrar um texto
sobre o Tatu Vítor se não soubesse do que se tratava o livro ao qual se
referia? Será que não teria feito algo vazio, ou apenas teria
repetido na imagem o que o texto narrava? O fato de eu ter conhecimento da obra
que originou esse segundo texto possibilitou uma ilustração na qual inseri
conteúdos que não tinham só a ver com o texto em questão, mas faziam referência
à história original.
No livro O Jardim Diferente, do escritor Israel Belo, também
por mim ilustrado, ele fala em ‘acácias, eucaliptos, ipês, oitis e urtigas’.
Geralmente a ação do livro está relacionada aos personagens, mas neste trecho
do livro ele estava falando do que havia no Jardim do Éden, então o foco estava
mesmo nas árvores. Para desenhá-las, fiz uma pesquisa dos vários tipos citados
e das cores. Eu nunca tinha visto um oiti até então (na verdade, nunca tinha
ouvido nem falar em oitis). Cheguei até a trazer uma folhinha o oiti para casa.
Foi interessante pesquisar sobre o assunto e desenhar tais árvores na mesma
ilustração. Claro que desenhei no meu estilo, mas mesmo assim tive o
cuidado de não somente desenhar árvores diferentes, mas que fossem
‘reconhecíveis’.
Em outro livro de Israel Belo, O Homem que Gostava de Enganar,
procurei informações sobre a época em que as pessoas viviam, como eram as
estampas das roupas das pessoas daquela região, o que comiam, etc.
Hoje, com a internet, fica muito mais fácil pesquisar. Desenhar sobre
assuntos aos quais não temos acesso é ainda mais complicado, portanto é
necessário ainda mais pesquisa e leitura.
Por que estou falando sobre isso? Como eu já comentei em um post
anterior, é estranho ver um coco numa bananeira. Isso aconteceu porque
provavelmente a pessoa que realizou essa ilustração nunca viu uma bananeira ou
um coqueiro e provavelmente não sabe diferenciá-los. Como era um livro
traduzido para o português, utilizando as imagens originais, provavelmente o
ilustrador não era brasileiro (e nem tinha o nome de quem ilustrou no livro!).
Para ilustrar a Formigarra/Cigamiga, consultei o livro Synthomas de Poesia
na Infância, também da autora Gloria Kirinus. Neste livro há um capítulo que
explica com mais detalhes do que se trata a Formigarra/Cigamiga e isso permitiu
que eu pudesse ter mais liberdade e segurança para criar as ilustrações do
livro.
Com tudo isso, estaria eu dizendo que não podemos ousar nas ilustrações?
De modo algum. Eu gosto muuuuito quando vejo uma ilustração em que o ilustrador
'saiu do quadrado' e percebo que as crianças também curtem muito.
Particularmente, costumam ser as minhas preferidas!
Um exemplo do fato de não seguir o real no meu trabalho é a personagem
Formigarra. Os leitores vão perceber que a Formigarra é uma formiga que tem 4
patas, só que dentro do livro há formigas de 6 patas. Por que fiz isso? Eu vou
explicar, mas no próximo post porque este já está muito looooongo...
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